Seu gosto não é seu
Você se veste com suas referências e sua visão de mundo, duas coisas altamente mutáveis
Se em algum momento da sua adolescência você teve de explicar pra sua tia porque você comprou um jeans já rasgado na loja, fica comigo até o final desse texto. Se você não entende porque alguém faz isso, esse texto é pra você também.
As pessoas tendem a criticar as escolhas dos outros com base em sua própria experiência. Para sua tia, um rasgo no jeans é um sinal de que ele não está bom para o uso, para você é um sinal de rebeldia, que imprime um espírito rock and roll e que te insere em um grupo social, de jovens descolados rebeldes, e te afasta de outro, o de quem acha que jeans rasgado não está bom para o uso. Nenhum dos dois está errado, no círculo social da sua tia, o jeans rasgado é impróprio pro uso. Isso vale também para sua prima advogada da mesma idade, não é um recorte etário, é um recorte de nicho, de clubinho. Há quem julgue o jeans rasgado como “falta de elegância” ou até “falta de condições de comprar outro” e essa é a graça da linguagem simbólica da indumentária: ela não é universal.
Um homem de kilt e bota na Avenida Paulista é um cara moderno, na Escócia, é um conservador, um tradicional. A leitura dos nossos símbolos dependem do olhar do grupo. Se você tem vontade de usar alguma coisa e tem medo do julgamento alheio, saiba que o julgamento do outro fala mais dele do que de você. Use, se divirta! Sim, somos seres sociais e queremos pertencer, mas não dá pra pertencer a todos os clubinhos da escola. Alguém não gostou do seu look? Não era o público alvo!
Quando o influenciador na internet “reproduz” um visual de vinil de uma diva pop com sacos de lixo preto, ele está trazendo, com humor, as referências de mundo dele ali. Quando seu primo caiçara diz que sua calça cropped parece “calça de caçar siri” e seu primo do interior diz que parece “calça de pular brejo” eles estão falando do mundo deles. Sorria, riam juntos, porque eles têm razão também.
Outra coisa que funciona para diminuir seu medo de críticas é diminuir o peso da sua opinião, diminuir seu próprio julgamento. E daí que você achou feio? Ao invés de pensar “achei feio” pense “por que eu achei feio? É feio ou eu não tenho a referência” o mesmo serve para o bonito. Esses conceitos não nascem prontos, eles são construídos. Os fashionistas, que são pessoas que trabalham com moda e/ou que consomem moda de uma forma mais acelerada, costumam usar peças que nós, não-fashionistas, não acessamos, não entendemos. Eles foram muito expostos às imagens de pessoas admiradas por eles usando uma tendência ou outra e então, têm vontade de reproduzir essas imagens no próprio visual. Já as pessoas que não consomem tantas imagens de moda, demoram mais para aderir uma tendência. Eu vi pessoas próximas criticando a jeans skinny por deixar o corpo “parecendo uma salsicha” aderirem a essa moda depois de anos de exposição a ela. E então, criticando as calças pantalonas por parecerem “sacos de farinha” e darem aparência de “maria mijona” também aderindo a essas calças alguns anos mais tarde.
“Nossa Silvia, sou dessas pessoas”. Sabe o que isso me diz de você? Que “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Eu amo o passado, grande parte da minha carreira e pesquisa é dedicada à moda atemporal, que tem base no clássico. O clássico é que não sai de moda. E é possível ter um estilo conservador, seguro, que nunca vai ficar feio nas fotos do passado, e eu ainda defendo demais esse estilo por questão de economia, não só de dinheiro, mas de tempo, energia e recursos naturais, eu estou dentro desse cercadinho, mas vejo um fanatismo ao qual me recuso fazer coro. Fanáticos são aqueles que defendem seu próprio estilo de vida, como se todos os outros fossem errados. Eu ensino mulheres a encontrarem seu estilo e, dentro dele, seus atemporais. Não curte os clássicos? Não é meu público. Ok. Eu não me identifico com o maximalismo, ou seja não sou o público. O maximalista precisa saber da minha opinião? Não. Para deixar bem claro: maximalismo é uma estética do exagero de cores, texturas e informações visuais, que não está diretamente ligada ao consumismo- que, esse sim, critico publicamente.
Meu ponto aqui é: O que muda na sua vida se sua sobrinha usa calça rasgada ou cabelo rosa, por que ela precisa saber que VOCÊ não gosta? E se, ao invés de criticar, você perguntasse com interesse genuíno, o que aquilo significa pra ela, para o grupo dela?
O clássico, o elegante são estilos ótimos, o complicado é o fã clube. A polícia da elegância.
Seu gosto não é seu, o feio vira bonito dependendo da sua exposição e referências e o bonito vira feio também, conforme repete demais, esse é o ciclo da moda. Não gostou do retorno dos anos 2000? Só tem um motivo pra isso: você não é o público! Nem tudo é pra você e sobre você. E somos muito mais influenciadas do que gostaríamos de admitir, mas ao tomar consciência disso, passamos menos vergonha de criticar hoje algo que vamos ter muita vontade de usar no futuro (ou que amamos usar no passado). E se somos mais gentis com o outro, somos mais gentis conosco.
Critique sem ser fanático, sempre questione tudo inclusive meus argumentos (e o seu gosto “pessoal”) e seja gentil sempre que possível, de preferência sem ser trouxa.
É isso, equilíbrio: 50% nasmastê e 50% vocês sabem o que